domingo, 25 de setembro de 2016

O Cartório Eleitoral e as eleições na antiga Itabaiana



Entre as muitas lembranças que guardo dos tempos de criança e adolescência e já da fase adulta, estão as ligadas às atividades do meu pai José Bandeira no Cartório do Registro Civil e Cartório Eleitoral de Itabaiana-Paraíba. Como escrevente ou como a filha que era convocada para auxiliar nos serviços, vivi acontecimentos por vezes inusitados.

Diversamente de hoje, em que os cartórios eleitorais têm sua sede e chefes nomeados e mantidos pelo Governo Federal, nem de longe se assemelhavam as antigas repartições, onde o cargo extra não era remunerado. Não havia computadores, tudo era feito à mão ou nas velhas Remington e a papelada a preencher, de cada eleitor, era extensa: um título, duas fichas e uma folha de votação. A goma arábica colava os quatro retratos 3x4 solicitados ao eleitor.

Até os anos 70 o cartório eleitoral era rodiziado, de dois em dois anos, entre o escrivão Zequinha Bandeira e os tabeliões Aderlindo Luiz e Zé Maria Almeida, cuja troca de sede se constituía um verdadeiro transtorno.  Todos os funcionários, entre eles, a perfeccionista Cleide Fonseca, a piadista Zilda Pessoa, as simpáticas e dedicadas Altair Araújo, Aderita Trajano e Neusa Santos,  e mais alguns ajudantes eram convocados para a mudança. Atravessavam inúmeras vezes a larga Av. Pres. João Pessoa abarrotados de papéis, material de expediente e máquinas, estas, mais pesadas, levadas nos antigos carros de mão feitos de madeira. Era um trabalho árduo, tanto para o serventuário que entregava o serviço, como para o recebedor, que precisava arrumar a casa de modo a conseguir um cantinho para acomodar tantos apetrechos no já superlotado cartório.

A cidade vivia uma acirrada disputa política entre PSD e UDN, partidos extintos pela ditadura militar e recriados como MDB e ARENA no começo dos anos 70. Com preferências políticas claras, Elisabeth Bandeira, Zé Bandeira e Zé Maria Almeida, quando titulares do cartório eleitoral, eram alvos de desconfiança e vigilância por parte dos políticos dos partidos contrários. Tanto assim que, em um dia de cartório repleto de pessoas, Dona Elisabeth dirigiu-se a uma mocinha que estava em pé na porta há muito tempo e perguntou-lhe se desejava algo, tendo ela respondido que estava ali “para fiscalizar, a mando do Dr. Josué”. A escrivã pediu para que voltasse e dissesse ao político que ele não tinha o direito de fiscalizar o e sim o Juiz Eleitoral. A poeta Zora Lira retirou-se e no mesmo dia a escrivã recebeu a visita do Dr. Josué Dias de Oliveira. Tiveram uma conversa educada e amigável e, assim, tudo ficou em paz entre a escrivã e o gentil cidadão e nobre advogado.
Antonio Rodrigues, escrivão eleitoral José Bandeira Júnior, lider político dr. Antonio Santiago, funcionárias Neusa Santos e Aderita Trajano e outros colaboradores. Na Serra do Pau d'Arco, Salgado de São Félix, inscrevendo eleitores. Foto acervo Memória Viva.

Um costume bastante curioso era o convite que o escrivão eleitoral recebia do partido político para “fazer eleitores”- expressão usada à época – em localidades rurais distantes, para onde seguiam o notário e alguns funcionários. O transporte era dado pelo político, bem como a alimentação. Lá pelos anos 50 acompanhei Zé Bandeira em uma dessas expedições.  Fomos a Mogeiro a convite de Zé Silveira que, em uma escola rural, comandava seus colonos e eleitores, que se enfileiravam em busca de suas inscrições.  Na residência dos Silveira nos recebeu, com educação e hospitalidade, a simpática senhora Dona Otávia, mãe do líder.

Naqueles anos os analfabetos não votavam, porém, a condição mínima para o primeiro título era que o postulante, pelo menos, assinasse o seu nome com firmeza e legibilidade. Dona Josefa Virgolino, conhecida na cidade como Zefa do Coentro, além de vender o produto que lhe deu o apelido, era exímia lavadeira e passadeira de roupas. Dona Josefa não foi aprovada em seu requerimento. Inconformada foi ao Dr. Mário de Moura Rezende, Juiz Eleitoral, para ele lhe dar uma nova oportunidade, no que foi prontamente atendida. Dr. Mário pediu que ela sentasse à mesa, deu-lhe papel e lápis e ditou: “Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.” E foi assim que José de Alencar contribuiu para que Zefa do Coentro perdesse a esperança de ser eleitora naquele ano.

Margaret Ligia Santiago Bandeira

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