terça-feira, 5 de março de 2024

NÔ ALMEIDA, "O VEREADOR DAS MASSAS POPULARES”


          Era assim que se autodenominava o Sr. Clidenor Félix de Almeida, ao atender um telefonema. Era uma figura folclórica e interessante na vida política e social de Itabaiana. Quem melhor definiu Nô Almeida, foi o Dr. Aglair da Silva: “Igual a Nô, só ele mesmo”.


          Tornei-me amigo de Nô Almeida, através da política. Até 1977, tinha com Nô, um relacionamento formal. A partir dessa data até seu falecimento em 14 de março de 2002, ou seja, por mais de 25 anos fomos grandes amigos apesar da diferença de idade e de credo político. Ele de um partido e eu de outro. Era frequentador assíduo de sua casa na Rua Vereador Luiz Martins de Carvalho. Tínhamos visões diferentes na política, mas isso não impedia de almoçar o pirão de dona Lia nas quartas-feiras e na sexta-feira tomar o 2° café da manhã em sua Mesa Giratória, que orgulhosamente ele chamava de " Põe-te Mesa". Nessa mesa, Lia sempre colocava mais um prato, copo e talheres para "As visitas inesperadas". A casa de Nô, era sinônimo de Mesa farta, Copo cheio e Barriga cheia. Nunca faltava uma cerveja gelada, uma boa caninha brejeira e cigarros Gaivota ou Clássicos no seu bolso. O tira gosto, sempre era de dar água na boca. E o melhor e mais famoso dos tiras gosto, era a "Rolinha Recheada”, que segundo Nô, só quem sabia fazer era Dona Lia.


          Ao longo dos anos, aprendi muito sobre sua personalidade. Observei que Nô tinha uma enorme capacidade de fazer amigos e articulações políticas. Não guardava rancores, apesar de ser "Popeiro". Tinha memória privilegiada. Conhecia a história de cada família de Itabaiana, principalmente os ramos das famílias Almeida, Félix e Oliveira das quais era originário. Costumava dizer que essa sua família tinha muitos Gênios e muito doido também, e dava uma sonora gargalhada. Era um profundo conhecedor de Músicas Antigas e tinha o hábito de relacionar letras de músicas com episódios ocorridos em sua vida. 


          Na política, era matreiro. Era capaz de mudar o resultado da votação de qualquer Projeto que chegasse à Câmara Municipal, ou mesmo influenciar na Eleição da Mesa Diretora da Câmara, após uma Boa Conversa de Pé de Ouvido. Foi eleito Vereador em Itabaiana 6(seis) vezes consecutivas. Era vaidoso. Todo final de mês, no quintal de sua casa à sombra do Pé de Manga Mel, perto da Cisterna e do Cacimbão, sentava-se em um tamborete e mandava Lia pintar seu cabelo, seu bigode e sua "Titela". Eu perguntava:  Pra quê essa besteira Nô? Você pode arrancar uma, duas, cem, mil flores, só não vai impedir a chegada da primavera! Do mesmo jeito, você pode usar toda tinta do mundo, mas não vai impedir à chegada dos Cabelos Brancos e da Velhice. Prontamente, Nô respondia: “Ficar velho, sim, mas com Cara Nova! Não é Lia?” e Lia tinha que concordar. 


Adorava a família. Formou com sua Consorte Lia, um casal tão unido, que era difícil dissociar um do outro. Era comum se ouvir a expressão: "Seu Nô de Dona Lia" e "Dona Lia de Seu Nô". Apareceu até uma música de Cunho Político (Jingle) fazendo referência aos dois. Nô teve em Lia, seu grande sustentáculo político. Na área social, Lia fez um imenso trabalho, além de apagar alguns incêndios que o Temperamento Afobado de Nô ateava.


          O trabalho social de Lia e as conversas de pé de ouvido de Nô renderam 6(seis) mandatos de vereador ao já cognominado "Vereador das Massas Populares”. Não costumava usar a Tribuna da Câmara ou os Palanques nos Comícios. Quando questionado sobre essas atitudes, respondia: “Quem muito fala, muito erra. Além do mais, tem gente quando bota pra falar, sempre faz da Boca, cu.”


          Era alegre e extrovertido. Agora, se dessem uma cutucada em seus calos, ao invés de conversa de pé de ouvido, o agressor teria uma canhota no pé do ouvido. "Para aprender a ser gente". Ao falar sobre suas Venturas e Desventuras na vida, dava sempre um tom engraçado à suas narrativas. De sua infância pobre em Campo Grande margem esquerda do Rio Paraíba, fazia referência à partilha do Cabeça Amarrada (Cuscuz) no café da manhã entre os comensais. Levava-se em conta a proporcionalidade do pedaço, a idade e a capacidade laborativa dentro da família. Falava ainda, das garrafas secas que "subtraía” do Velho Leonel e vendia em outra bodega. Usava o dinheiro para comprar "brotes" e "pão doce" pra comer sozinho escondido por trás de uma cerca de avelós.


          Militante do antigo PSD e Vereador na época do golpe militar de 1964, vendo várias pessoas de Itabaiana sendo presas pelo exército, resolveu chamar o amigo e também militante do PSD Arnaud Costa, para irem se esconder em Areia, na casa de Padrinho Abelardo, funcionário da Escola de Agronomia do Nordeste, Itabaianense e amigo dos dois. Arnaud Costa alertou que quem mandava em Areia era o Major Cunha Lima, chefe político da “Mardita" UDN e lá, seriam presos na hora. Desistiram da viagem. Não teve problemas com nenhum dos dois.


          No mandato do Prefeito Dr. Josué Dias de Oliveira, (janeiro de 1969 a janeiro de 1973), uma viatura do exército chegou em Itabaiana e intimou Dr. Josué para prestar depoimentos em um quartel do exército. Na época, Nô Almeida vereador pelo MDB e Arnaud Costa Secretário do Prefeito e do Partido, botando às Barbas de Molho pegaram por empréstimo ao proprietário rural José Paulo de Lucena, dois cavalos com os sugestivos nomes de “Mamão e Melado”, e passaram dois dias na Fazenda Caldeirão, aguardando notícias e que ventos melhores soprassem. Nada aconteceu e retornaram a Itabaiana.


          De sua única viagem de avião (foi até Brasília com o Dr. Aglair e outros vereadores), fazia a maior gozação referindo-se à uma "Carta - Testamento" que tinha deixado com amigos e que deveria ser aberta em caso de o avião cair. Não havia carta nenhuma, era só pra aperrear Lia. Falava ainda muito orgulhoso, dos amigos que fez em Brasília. Em uma churrascaria, passou-se por um neto do poeta Cassimiro de Abreu. Trepado em uma cadeira e com um lenço amarrado no pescoço, cantou algumas músicas de Orlando Silva. Deu um verdadeiro show nessa sua "Avant Premiére Candanga".


          Sentar em seu terraço ao entardecer, tomando um cafezinho com bolachas quentinhas e ouvir essas narrativas, era um deleite. Certo dia cheguei em sua casa, e ele muito sério foi logo me dizendo: “Sabe fazer contas? Se sabe, pegue um papel e um lápis para fazer a divisão de uma Herança Maldita que tenho em Campo Grande.” Quem herança é essa Nô? Perguntei. “Deixe de conversa mole, que depois eu digo, divida aí: Um hectare, 23 ares e 35 metros quadrados por 11 herdeiros”. Fiz a divisão e disse o resultado. O "Latifúndio de Nô", era menor que a área coberta de sua casa. “Divida esse terreno por cinco”, ao ver o resultado da divisão, gritou: “Tá vendo Lia? Esse é o resultado da herança maldita que deixaram pra mim, não dá nem pra fazer um Cagador decente pra meus netos.” Disse isso referindo-se aos filhos de Renato, Rosane e Roberto (Beto) e deu boas gargalhadas.


          Nô via poesia em tudo. Possuiu dois Fuscas, um branco e outro verde. Esses carros foram batizados com os poéticos nomes de “Branca de neve” o Fusca Branco, e, “Lírio Verde da Esperança” o Fusca Verde. Ao adverti-lo que os Lírios são brancos, ele respondeu: “Mas a Esperança é Verde”. Pra viajar em Branca de Neve ou Lírio Verde da Esperança, um conjunto de normas tinha que ser cumprido. Não ultrapassava os 80 km, não saía dia de chuva, não andava em estrada esburacada e não emprestava a ninguém.


          Nô Almeida não mandava recado. Dizia cara a cara se estava ou não gostando de uma situação. Não estava interessado se o interlocutor era trabalhador braçal ou governador do Estado, os episódios narrados a seguir, ilustram bem a maneira de ser de nosso Vereador. Nô apoiou o Ex-Senador Efraim Morais (o pai) em Itabaiana, em sua primeira eleição para Deputado Estadual. Alguma coisa não fechou bem entre os dois, e em uma reunião do PFL em Guarabira da qual Nô participou, deu-se o seguinte diálogo: “Como vai, amigo Nô? Como está nossa Itabaiana? Estou devendo uma visita a vocês. Exclamou Efraim”. “Eu vou bem, Itabaiana está no mesmo lugar, e quanto a sua dívida, não é só a visita não, tá me devendo 20 sacos de cimento que dei a eleitores em seu nome. Até agora, nada.” Efraim chamou Nô para uma Conversa de Pé de Ouvido, e pouco depois ambos saíram abraçados, sorrindo e satisfeitos.


         O jornalista e Deputado Estadual Soares Madruga, não tinha dinheiro, mas tinha muito prestígio junto ao Governo do Estado e muita lábia para convencer seus eleitores. Tentando obter apoio a sua Candidatura à Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba, sacudiu muita conversa bonita pra cima de Nô. Após intermináveis doses de Whisky, salgadinhos e muita conversa, Soares Madruga perguntou: “Então Nô, estamos juntos nessa empreitada?”. “Nessas empreitadas Deputado, só entro com Condições (e esfregou o polegar sobre o indicador, sugerindo apoio financeiro), e Condução (fez um movimento com às duas mãos, sugerindo o volante de um carro). Não teve Conversa de Pé de Ouvido, não teve acordo.


          O Governador Wilson Braga foi a Itabaiana inaugurar obras da CAGEPA. Muita festa, muitos fogos, e já no palanque antes do discurso Wilson Braga pergunta a Nô: “Fora a CAGEPA, o que foi que eu trouxe mais para Itabaiana, Nô?”. “Muita confusão e muito fuxico, Governador”, Responde na bucha. Nô Tinha resposta pronta para todo tipo de pergunta. Foi questionado certa vez, sobre seu nível de escolaridade. Sua resposta foi: “Fiz o Curso Primário ‘Bem Feitinho’ em 1940.” E escorregava o polegar sobre o indicador, insinuando o pagamento de propina pelo Diploma. E dizia ainda: “Não se preocupem não, ganho de qualquer Doutor de anel no dedo, sou formado pela UNIVIDA, a Universidade da vida.” E dava boas gargalhadas.


          Era uma pessoa "Sui Generis". Comemorava duas datas de aniversário e explicava o porquê. “Nasci no dia 21 de junho de 1928. Fui registrado alguns anos depois como se tivesse nascido no dia 22 de junho de 1928. O dia 21 de junho, é a data de fato. O dia 22 de junho é a data de direito, quero dois presentes”, e caía na risada. De personalidade alegre e extrovertida, onde chegava fazia a festa e novos amigos. Sua casa parecia um prédio público. Em época de seca, imensas filas se formavam na frente para pegar água de um Cacimbão que nunca secava. Eu era um de seus "fregueses". Um menino enchia meus vasilhames e eu aproveitava para tomar um cafezinho, e colocar às conversas em dia. De duas em duas horas ele parava a retirada da água por 15 minutos para o "Pobre do Cacimbão" descansar, pois, ninguém era de ferro, sempre dizia.


          Fiz uma Cirurgia Cardíaca em 1992 aos 40 anos. Uma Ponte de Mamária. Quando voltei pra casa, O Vereador das Massas Populares, foi um dos primeiros a me visitar. Na conversa que tivemos além dos "conselhos" que deu, perguntou se com um mês após a cirurgia, eu poderia caminhar uns 3 km a noitinha. Respondi que a caminhada eu deveria fazer diariamente, pequenos trechos, três quilômetros de uma vez talvez não aguentassem. “É que eu fiz uma promessa a Santo Antônio, para no dia dele, 12 de junho, a gente sair lá de casa com a imagem do Santo num andor de tardezinha e você pegar no "Andor" umas quatro vezes de lá de casa até a Capela de Santa Luzia em Campo Grande”. Disse Nô.


          Eu disse: “Nô, não sei se vai dar não, pode ser uma mais maneira não? Por exemplo: Deda me leva no carro acompanhando. Certo?”. “Certo o que seu cabra, você pode tá faltando com promessa à Santo rapaz? Você não é besta, não? Deva a todo mundo menos promessa à Santo” disse Nô, me dando um ultimato. “Deda vai no carro e você vai a pé, segurando o andor de vez em quando. Deda lhe traz de volta no carro e estamos conversados.”


          No dia de Santo Antônio, saiu da casa de Nô uma pequena multidão a pé com o Santo Antônio no "Andor" às 7 horas da noite, em direção a Campo Grande. O público era formado por devotos do Santo, meus parentes, amigos e eleitores que tinham votado em mim para Vereador. Vários outros amigos e eleitores de Nô, que ele os havia convocado o dia todo anunciando na Difusora de João do Bode. Ao longo do caminho, várias pessoas iam aderindo a Procissão. Fizemos uma pequena parada em frente ao Hospital São Vicente de Paulo, e os funcionários e pacientes me fizeram uma emocionante homenagem. Esse ato foi uma bela demonstração do apreço que Nô Almeida tinha pelos verdadeiros amigos.


          A fé em Deus, a fé no Santo e a fé na perícia do Dr. Josalmir, sobrinho de Dona Rosilda Melo do Cartório, me garantiram a eficácia dessa Cirurgia por 31 anos. Em 2022, fiz duas Angioplastias Coronarianas que vem dando certo até agora. O meu amigo Nô estava sempre pronto a receber amigos, políticos, parentes e fofoqueiros, que sempre o visitavam em busca de uma boa prosa regada a boa bebida, boa comida e boa música. Não podia faltar fofocas. Certa vez Nô me confidenciou que teve dois Grandes amigos que já haviam partido. Zé Silveira e Dr. Aglair. Lamentava muito que os dois não tivessem se conhecido em vida.


          Certamente, quando Nô fez sua mudança para a Vida Espiritual, lá encontrou esses dois amigos e já promoveu esse Grande Encontro. Ao longo desse tempo que já está em outra vida, encontrou sua querida Amélia (Dona Lia), e outros amigos que foram chegando posteriormente. Naturalmente, como era do seu feitio, fez novos amigos. Principalmente Cantores e Compositores da Velha Guarda, já que gostava tanto da Boa Música. Também deve ter feito amizade com alguns Santos Influentes. Fico a imaginar os duetos que já deve ter feito com Orlando Silva, Ataulfo Alves, Nelson Gonçalves e Altemar Dutra, cantando respectivamente: “Meu Romance”, “Errei, Erramos”, “Sertaneja” e “O Trovador”.


          Não conheci o gosto musical de Zé Silveira, mas Nô deve ter homenageado o amigo com alguma música de sua preferência. Agora, tenho certeza de que para homenagear o Dr. Aglair, Nô formou um Trio com Sérgio Bittencourt, Jacob do Bandolim e Ele, e cantaram “Naquela Mesa”.


          Meu amigo, "Vereador das Massas Populares", nesse próximo dia 14 de março de 2024, completa 22 anos de sua ausência. Senti uma imensa vontade de homenageá-lo com essa crônica. Tenha Paz e Felicidade em sua Vida Eterna. Aqui na Terra, seus familiares e amigos ficarão com as Lembranças e Saudades.


José Barbosa De Lucena (Dr. Dedé)

Itabaiana, 01 de março de 2023.