segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Benedito e João Redondo visitam a terra de Chico do Doce

Os da minha geração conheceram Chico do Doce, um artista popular que brincava como palhaço de pastoril e mestre do babau, o teatro popular de bonecos. Fui seu companheiro de trabalho na ferrovia e parceiro na tenda do babau. Com ele aprendi a construir o boneco com madeira de mulungu ou papel machê. Também fui devidamente instruído na arte de levar a vida na valsa, brincando, que Chico do Doce não ligava a mínima pelo fato de ser negro, pobre e sem escolaridade numa terra de preconceitos arraigados. Seu mundo de fantasia casava com a invenção do babau, com o negro Benedito metendo a peia em soldado de polícia e vaqueiro chaleira de patrão malvado. Nas histórias criadas pelo mestre para seus bonecos, o humilde sempre vencia.

Na mala de bonecos do Chico, cabiam seus atavios de artista do povo e seu amor forte pela cultura nordestina. Adepto do candomblé, nas sextas-feiras andava de branco, gozando ele mesmo com sua indumentária: “Rico vestido de branco é doutor; pobre de branco é macumbeiro”. Jamais vi Chico do Doce triste. A emoção e o alumbramento de apresentar suas figuras na tenda, o prazer de cantar e dançar no palco do pastoril profano, tocar suas toadas no banjo e bater o pandeiro, isso o que dava sentido à vida do meu compadre Chico do Doce. Na ferrovia, não se interessava muito em aprender o ofício. Passou mais de trinta anos como manobrador de trem, sem jamais chegar ao posto de chefe de manobras. Malandro, se fazia de burro pra ficar só com as tarefas mais fáceis.

Depois que Chico do Doce passou para o andar de cima, acabou-se a sessão de babau na centenária Itabaiana do Norte. Era um poeta sem escrever versos, porque todo artista é, na verdade, poeta dentro do seu universo criativo. O humilde trabalho de Chico do Doce despertava emoção, enlevo, sentimento de beleza, apreciação estética. Não deixou sucessores. Agora, eu digo com o poeta Gil Messias; “velemos com zelo pelo poeta, porque a poesia não está no mundo, nem nas coisas, nem nas palavras; a poesia, na verdade, está mesmo é no peito do poeta”.

Tudo isso para dizer que nos dias 23 e 24 de novembro, na Praça Epitácio Pessoa, o projeto “Benedito e João Redondo” vai armar sua tenda na terra de Chico do Doce para apresentação do babau, com a Cia. Boca de Cena. Agora, notem como é que está nosso registro histórico da arte itabaianense: em 2012, o projeto visitou oito cidades onde já haviam sido identificados brincantes do babau. Itabaiana não entrou nesse mapa, porque ninguém conhece o trabalho de Chico do Doce e Mala Véia, outro bonequeiro local. No meu livro “Artistas de Itabaiana”, faço esse registro. A arte popular do teatro de bonecos teve no itabaianense Chico do Doce um dos meus maiores mestres na Paraíba e quase ninguém sabe disso.