Melchíades Montenegro em 1923
A cidade tinha dois jornais: “O Município” de propriedade da
prefeitura mas que não travava de política e “O Correio” de João de Lima. “O
Município” teve diversos diretores. Lembro-me do erudito Carneiro Monteiro, do
saudoso Jurema Filho, de José Jurema. Posteriormente, já na influência do dr.
Odilon Maroja, teve como diretor o dr. Henrique Figuerêdo. Era noticioso,
literário e conservador. Batista Lins, que fazia a parte social, quando queria
o terno de casimira bem passado a ferro, publicava a notícia do aniversário de
Zé Pernambuco. “O Correio” debatia assuntos econômicos e financeiros, fazia
crítica sobre teses políticas. Era liberal. Sua parte literária resumia-se na
publicação dos sonetos de Osório Muniz, precursor esquecido da poesia
futurista:
“A tarde quando o sol vai aquecendo
Os seus raios deslumbrantes e
abrasadores,
Eu sinto a desdita fatal do amor
E as borboletas com seus abanos.”
Zuza Ferreira, alfaiate e poeta, cultivava o gênero clássico.
Uma vez dedicou um soneto a certo bacharel solteiro que estava passando uma
temporada em Itabaiana. Tinha o título: O Celibatário. Quase há um desgosto,
porque o doutor entendeu a princípio, que celibatário era nome feio, que tinha
sido insultado, gratuitamente. Itabaiana teve também os seus oradores, especialistas
em brindes de aniversário, batizados e casamentos. Manoel Tanoeiro – “a moça
mais véia da mesa é a estrela darva”. Nunca houve uma moça que quisesse aceitar
o título sideral. O Mergulhador, apelido de um antigo escafandrista – “sinto
que tou subindo três paaarmos de chão acima. Eu espiava e não via o prodígio da
levitação. Os doidos de Itabaiana eram diferentes dos outros. Nem obscenos nem
perigosos. Apenas cômicos e engraçados, eram disputados nas rodas de calçadas.
Joquinha fazia a cara do Cons. Afonso Pena, muito mais parecida com a do
Presidente Eurico Dutra e repetia uma acusação do promotor público, dr. Paiva,
em um júri celebre da cidade. Chico de João Lucindo, um “hercules quasimodo”
que pegava dez arroubas na cabeça, tato ou quase como mudo, como Joquinha,
recitava um sermão do frei Gaudioso que ele ouvira numas Santas Missões, no
interior do Bacamarte. Guedes com a ideia de apostolado, pregava princípios de
moral teológica e distribuía, entre as crianças que sempre tinha ao pé de si,
as esmolas que lhe davam espontaneamente. “Sinhá” Joaninha, fanhosa, pequena e
corcunda, só perdia o juízo quando a chamavam de “Macaca ôca”. Recordo os
boêmios e seresteiros de Itabaiana, Antonio Afonso, João Cézar, Zero Maciel,
Toinho do Piston. As serenatas, o violão de João Pulcherio, o saxofone mágico
de Severino Rangel (Ratinho). Por falar em música, não posso esquecer o piano
obtuso de d. Dondon Prazim. Recordo ainda as anedotas impagáveis de Nestor
Lucena, de matar de rir e livre de censura. As histórias hilariantes de Eugenio
Carneiro e Batista Lins; as piadas notáveis do major Joca Paulo; a “gentileza”
com que “seu” Palú, campeão invicto de gamão, despachava a freguesia; o
testamento de Judas, primeiro trabalho jurídico de Laudelino Cordeiro; as
besteiras de “seu” Sila. As cocadas moles de Luzia, os roletes de d. Catarina.
Os banhos de rio, pulando da “pedra grande” da cadeia velha, no meio da fina
flor da molecagem, na certeza de levar uma surra quando chegasse em casa e não
ir à noite ao cinema de Chico Sóter. Por falar nesse homem, sinto que Itabaiana
já não tenha dado um testemunho de sua gratidão ao mais esforçado e heroico dos
obreiros do seu progresso material. Chico Sóter chegou ali numa cadeira. Quase
morto. Reviveu. Acostumou-se com a moléstia, ou melhor, dominou-a, casou-se
numa das famílias mais distintas da terra. Foi um revolucionário, no sentido
construtivo do termo. Ninguém foi mais ativo e trabalhador do que ele.
Itabaiana tem a honra de ser a primeira cidade nordestina que primeiro usou a luz
elétrica. Teve cinema ao mesmo tempo que o Recife. Mecânico admirável e
inventivo genial, Chico Sóter fez de Itabaiana uma cidade americana. Parece que
eu o estou vendo – pequeno, magro, barba de três dias, cabelos sobre a testa,
saindo por baixo do chapéu do Chile, inquieto, operoso, formidável. Francisco
Sóter é uma das impressões mais fortes do meu tempo de menino e de rapaz.
Melchíades
Montenegro, Recife, 27 de agosto de 1948.
Fonte: Áurea Montenegro - Engenho Jurema
Fonte: Áurea Montenegro - Engenho Jurema
Qual a referência do texto?!
ResponderExcluirOlá, Herivelt. A fonte é o livro "Engenho Jurema" de autoria de Áurea Montenegro, filha de Melchíades, o mesmo foi lançado no ano 2000, em comemoração ao centenário de Melchíades.
ExcluirEssas cronicas de Melchiades é o pano de fundo do que nós Itabaianenses de cinquenta para cima falamos de nossa terra, isso é a prova que quanto mais a historia de Itabaiana recua, mas expõe sua grandeza econômica e cultural. Essas cronicas 1ª e 2ª parte, tem que ser fixada no Memorial para que todos tomem conhecimento.
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