Entre as muitas lembranças que guardo dos tempos de criança e
adolescência e já da fase adulta, estão as ligadas às atividades do meu pai
José Bandeira no Cartório do Registro Civil e Cartório Eleitoral de
Itabaiana-Paraíba. Como escrevente ou como a filha que era convocada para
auxiliar nos serviços, vivi acontecimentos por vezes inusitados.
Diversamente de hoje, em que os cartórios eleitorais têm sua
sede e chefes nomeados e mantidos pelo Governo Federal, nem de longe se assemelhavam
as antigas repartições, onde o cargo extra não era remunerado. Não havia
computadores, tudo era feito à mão ou nas velhas Remington e a papelada a
preencher, de cada eleitor, era extensa: um título, duas fichas e uma folha de
votação. A goma arábica colava os quatro retratos 3x4 solicitados ao eleitor.
Até os anos 70 o cartório eleitoral era rodiziado, de dois em
dois anos, entre o escrivão Zequinha Bandeira e os tabeliões Aderlindo Luiz e
Zé Maria Almeida, cuja troca de sede se constituía um verdadeiro transtorno. Todos os funcionários, entre eles, a
perfeccionista Cleide Fonseca, a piadista Zilda Pessoa, as simpáticas e
dedicadas Altair Araújo, Aderita Trajano e Neusa Santos, e mais alguns ajudantes eram convocados para a
mudança. Atravessavam inúmeras vezes a larga Av. Pres. João Pessoa abarrotados
de papéis, material de expediente e máquinas, estas, mais pesadas, levadas nos
antigos carros de mão feitos de madeira. Era um trabalho árduo, tanto para o
serventuário que entregava o serviço, como para o recebedor, que precisava
arrumar a casa de modo a conseguir um cantinho para acomodar tantos apetrechos
no já superlotado cartório.
A cidade vivia uma acirrada disputa política
entre PSD e UDN, partidos extintos pela ditadura militar e recriados como MDB e
ARENA no começo dos anos 70. Com preferências políticas claras, Elisabeth
Bandeira, Zé Bandeira e Zé Maria Almeida, quando titulares do cartório
eleitoral, eram alvos de desconfiança e vigilância por parte dos políticos dos
partidos contrários. Tanto assim que, em um dia de cartório repleto de pessoas, Dona Elisabeth dirigiu-se a uma mocinha que estava em pé na porta há muito
tempo e perguntou-lhe se desejava algo, tendo ela respondido que estava ali “para fiscalizar, a mando do Dr. Josué”. A
escrivã pediu para que voltasse e dissesse ao político que ele não tinha o
direito de fiscalizar o e sim o Juiz Eleitoral. A poeta Zora Lira retirou-se e
no mesmo dia a escrivã recebeu a visita do Dr. Josué Dias de Oliveira.
Tiveram uma conversa educada e amigável e, assim, tudo ficou em paz entre a
escrivã e o gentil cidadão e nobre advogado.
Um costume bastante curioso era o convite que o escrivão
eleitoral recebia do partido político para “fazer eleitores”- expressão usada à
época – em localidades rurais distantes, para onde seguiam o notário e alguns funcionários. O transporte era dado pelo político, bem como a
alimentação. Lá pelos anos 50 acompanhei Zé Bandeira em uma dessas expedições. Fomos a Mogeiro a convite de Zé Silveira que,
em uma escola rural, comandava seus colonos e eleitores, que se enfileiravam em
busca de suas inscrições. Na residência
dos Silveira nos recebeu, com educação e hospitalidade, a simpática senhora
Dona Otávia, mãe do líder.
Naqueles anos os analfabetos não votavam, porém, a condição
mínima para o primeiro título era que o postulante, pelo menos, assinasse o seu
nome com firmeza e legibilidade. Dona Josefa Virgolino, conhecida na cidade
como Zefa do Coentro, além de vender o produto que lhe deu o apelido, era
exímia lavadeira e passadeira de roupas. Dona Josefa não foi aprovada em seu
requerimento. Inconformada foi ao Dr. Mário de Moura Rezende, Juiz Eleitoral, para
ele lhe dar uma nova oportunidade, no que foi prontamente atendida. Dr. Mário
pediu que ela sentasse à mesa, deu-lhe papel e lápis e ditou: “Além, muito além
daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.” E foi assim que José
de Alencar contribuiu para que Zefa do Coentro perdesse a esperança de ser eleitora naquele ano.
Margaret Ligia Santiago Bandeira
Margaret Ligia Santiago Bandeira
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