Os da minha
geração conheceram Chico do Doce, um artista popular que brincava como palhaço
de pastoril e mestre do babau, o teatro popular de bonecos. Fui seu companheiro
de trabalho na ferrovia e parceiro na tenda do babau. Com ele aprendi a
construir o boneco com madeira de mulungu ou papel machê. Também fui devidamente
instruído na arte de levar a vida na valsa, brincando, que Chico do Doce não
ligava a mínima pelo fato de ser negro, pobre e sem escolaridade numa terra de
preconceitos arraigados. Seu mundo de fantasia casava com a invenção do babau,
com o negro Benedito metendo a peia em soldado de polícia e vaqueiro chaleira
de patrão malvado. Nas histórias criadas pelo mestre para seus bonecos, o
humilde sempre vencia.
Na mala de
bonecos do Chico, cabiam seus atavios de artista do povo e seu amor forte pela
cultura nordestina. Adepto do candomblé, nas sextas-feiras andava de branco,
gozando ele mesmo com sua indumentária: “Rico vestido de branco é doutor; pobre
de branco é macumbeiro”. Jamais vi Chico do Doce triste. A emoção e o
alumbramento de apresentar suas figuras na tenda, o prazer de cantar e dançar
no palco do pastoril profano, tocar suas toadas no banjo e bater o pandeiro,
isso o que dava sentido à vida do meu compadre Chico do Doce. Na ferrovia, não
se interessava muito em aprender o ofício. Passou mais de trinta anos como
manobrador de trem, sem jamais chegar ao posto de chefe de manobras. Malandro,
se fazia de burro pra ficar só com as tarefas mais fáceis.
Depois que
Chico do Doce passou para o andar de cima, acabou-se a sessão de babau na
centenária Itabaiana do Norte. Era um poeta sem escrever versos, porque todo
artista é, na verdade, poeta dentro do seu universo criativo. O humilde
trabalho de Chico do Doce despertava emoção, enlevo, sentimento de beleza,
apreciação estética. Não deixou sucessores. Agora, eu digo com o poeta Gil
Messias; “velemos com zelo pelo poeta, porque a poesia não está no mundo, nem
nas coisas, nem nas palavras; a poesia, na verdade, está mesmo é no peito do
poeta”.
Tudo isso
para dizer que nos dias 23 e 24 de novembro, na Praça Epitácio Pessoa, o
projeto “Benedito e João Redondo” vai armar sua tenda na terra de Chico do Doce
para apresentação do babau, com a Cia. Boca de Cena. Agora, notem como é que
está nosso registro histórico da arte itabaianense: em 2012, o projeto visitou
oito cidades onde já haviam sido identificados brincantes do babau. Itabaiana
não entrou nesse mapa, porque ninguém conhece o trabalho de Chico do Doce e
Mala Véia, outro bonequeiro local. No meu livro “Artistas de Itabaiana”, faço
esse registro. A arte popular do teatro de bonecos teve no itabaianense Chico
do Doce um dos meus maiores mestres na Paraíba e quase ninguém sabe disso.
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